FALAR EM LÍNGUAS, OU, EMBROMAR EM LINGUAS?

Vivemos um tempo em que não se constitui exagero iniciar esse artigo dando ao mesmo esse título. Afinal, por vezes, percebemos pessoas e turbas de fiéis, ávidos por alcance de “graças e sinais miraculosos”, e, por isso, muitas vezes exercem suas crenças de forma a retroagir à Idade Média. Suas práticas – mesmo que não se deem conta – chegam a “ressuscitar” formas de orações, dos remotos tempos dos primeiros cristãos. Como é o caso do “falar em línguas”.

E, prudente é dizer, já neste início que não trato aqui, de nenhuma crítica, ou apontamento de dedo a esse, ou, aquele indivíduo, esse ou aquele seguimento, mas se trata de uma análise generalizada e que pode ser tomada como mera reflexão.

Isso posto, creio poder dizer o que penso: muitos que se atrevem a esta forma de “oração” (falar em línguas), só fazem por achar bonito, ou, por busca de destaque e/ou status, numa eventual roda, reunião, em um púlpito defronte de uma assembleia.

Os/as que assim se portam, se forem questionados nada saberão dizer sobre o que “falaram”, ou, o que significam os emaranhados de palavras estranhas que balbuciaram. E não saberão responder pois só as emitem porque, com isso, poderão ser vistos como os mais sábios, mais especiais e os escolhidos “do alto”.

Enquanto isso os “embromados fiéis” não se dão conta que os exibidores, muito exercitaram para decorar palavras sem sentido e frases como meros quebra-línguas… por isso, enchem o peito e desembestam a falar estranhamente, se arvorando em dizer que são os “autorizados e que comunicam em nome do Espírito Santo”.

Consideremos que, prática do “falar em línguas” era observada pelos primeiros cristãos, contudo, essa, foi perdendo a razão de ser, já a partir dos muitos convertidos, quando o “falar em línguas” deu lugar à pregação e à vivência dos discípulos que, a partir da diáspora (e com ela), surge a necessidade de se explicar pormenorizadamente e em linguagem popular a “Boa Nova”, sobretudo, entre os pagãos.

O “falar em línguas” tem muito a mais a ver com um louvor individual/pessoal do que prática junto a uma assembleia.

Em nossos tempos e, muito no seguimento da Renovação Carismática, o ‘falar em línguas’ tem sido utilizado de maneira distinta daquela observada nos primeiros tempos, com os cristãos.

Enquanto nos tempos bíblicos, essa prática era vista como um dom do Espírito Santo, para edificação pessoal e da comunidade, hoje, ela é frequentemente associada a demonstrações públicas mirabolantes, com intuito de entreter e, eventualmente convencer pela aparência, em detrimento da fé. Essa mudança de enfoque levanta questões sobre a autenticidade e o propósito dessa prática, bem como nos leva a perguntar, sobre seus verdadeiros objetivos.

Ao longo de séculos seguintes aos primeiros cristãos, o que mais se passou a destacar, não era o “falar em línguas”, mas, os verdadeiros sinais da presença do Espírito (Paráclito), sinais esses que se tornaram muito maiores, pois, a partir da prática da Boa Nova do Senhor, a vida dos que passaram a crer se tornaram visivelmente transformadas. Muito mais pelas ATITUDES e SENTIMENTOS, alcançados a partir da palavra ampla e claramente explicada a cada um. Justamente o contrário do uso “das línguas”, que ninguém era capaz de entender e, muito menos explicar. Pois, mesmo quem as falava muitas vezes não as entendiam.

Para São Tomás de Aquino, “falar em línguas” pode ser compreendido de duas formas: falar em línguas conhecidas, mas desconhecidas para um determinado grupo (como em Pentecostes, onde pessoas de diferentes línguas compreendiam os apóstolos), ou, falar sobre visões ou símbolos sem uma explicação”.

Ele também destaca que a linguagem é essencial para a comunicação e para a compreensão da realidade.

“Quanto ao dom de línguas, devemos saber que, como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para pregar ao mundo a Fé em Cristo, a fim de que mais facilmente e a muitos se anunciasse a palavra de Deus, o Senhor lhes deu o dom de línguas”, (Santo Tomas de Aquino, Comentário a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pag 178.)

“Santo Tomás de Aquino dizia, ainda, que Jesus não usava do artifício das línguas porque a missão dele era para os judeus” Então, para Thomás de Aquino esse dom seria simplesmente desnecessário de ser manifestado.

Contudo, na história do cristianismo contemporâneo uma grande mudança a respeito do entendimento da prática do dom de línguas ocorreu, principalmente, a partir do início do século vinte com o surgimento do “movimento pentecostal”. Sendo um elemento muito importante para os cristãos pentecostais, especialmente.

“Línguas, no primeiro sentido é um dom profético, cuja compreensão requer a presença de um intérprete (1 Cor 14,26-28). O intérprete não traduz a mensagem, mas, sim, é movido para transmitir seu significado geral. Paulo vê uma variedade de funções a serem observadas por este dom, incluindo o louvor a Deus e a revelação para a congregação.

No segundo sentido, Paulo diz que o dom de línguas é direcionado para Deus, não para o próximo, pois é um dom de oração e não de pregação (1 Cor 14,2). É um dom de louvor carismático inspirado e, talvez para a comunicação de anseios internos que a pessoa não consegue colocar em palavras (ver Rom 08,26-27).

Assim, nos é dito em 1 Cor 14,14-17, que este é um dom de oração, de louvor e de ação de Graças. Sua função principal não é, portanto, uma inteligível comunicação”.

Portanto, o valor deste tipo de oração de louvor reside precisamente no seu caráter não-racional, que permite que o Espírito Santo se desvie da mente e mova o espírito humano a rezar em profundidade (Rm 08,26-27)”.

Pesquisando: glossolalia e xenoglossia são fenômenos que envolvem falar em línguas, mas com diferenças significativas.

Na Teologia Cristã, Glossolália geralmente se refere aos sons da fala, dados pelo Espírito Santo, para uso na oração privada ou pública. O termo Xenoglossia vem das palavras gregas xenos, “estrangeiro” e hellēnikē, “língua” e significa “falar uma língua estrangeira”.

“No seguimento Renovação Carismática hoje, o segundo tipo de línguas é muito mais comum, embora, também, tenha havido muitos casos relatados do primeiro tipo.

Oportuno notar-se que a glossolalia e xenoglossia não são uma garantia de que alguém falando em línguas esteja sendo movido pelo Espírito Santo, uma vez que Satanás tenta falsificar todos os dons do Espírito”.

Paulo, portanto, adverte os coríntios para que façam o discernimento de cada dom espiritual com base em critérios de verdade (1 Cor 12,1-3) e amor (1 Cor 13,1-3), e, ainda, lhes lembra que os dons têm valor apenas na medida em que são exercidos na ordem certa, para a edificação do corpo de Cristo (1 Cor 14,39-40).

Por fim, se torna necessário cessar essas observações (não dando-as por encerradas), citando parte maior da primeira carta aos Coríntios (Cor,14):

Pois quem fala em língua não fala aos homens, mas a Deus. De fato, ninguém o entende; em espírito fala mistérios.

Mas quem profetiza o faz para a edificação, encorajamento e consolação dos homens.

Quem fala em língua a si mesmo se edifica, mas quem profetiza edifica a igreja.

Gostaria que todos vocês falassem em línguas, mas prefiro que profetizem. Quem profetiza é maior do que aquele que fala em línguas, a não ser que as interprete, para que a igreja seja edificada.

Agora, irmãos, se eu for visitá-los e falar em línguas, em que lhes serei útil, a não ser que lhes leve alguma revelação, ou conhecimento, ou profecia, ou doutrina?

18 Dou graças a Deus por falar em línguas mais do que todos vocês.

19 Todavia, na igreja prefiro falar cinco palavras compreensíveis para instruir os outros a falar dez mil palavras em língua.

20 Irmãos, deixem de pensar como crianças. Com respeito ao mal, sejam crianças; mas, quanto ao modo de pensar, sejam adultos.

21 Pois está escrito na Lei: “Por meio de homens de outras línguas e por meio de lábios de estrangeiros falarei a este povo, mas, mesmo assim, eles não me ouvirão”, diz o Senhor.

22 Portanto, as línguas são um sinal para os descrentes, e não para os que crêem; a profecia, porém, é para os que crêem, e não para os descrentes.

23 Assim, se toda a igreja se reunir e todos falarem em línguas, e entrarem alguns não instruídos ou descrentes não dirão que vocês estão loucos?

24 Mas se entrar algum descrente ou não instruído quando todos estiverem profetizando, ele por todos será convencido de que é pecador e por todos será julgado,

25 e os segredos do seu coração serão expostos. Assim, ele se prostrará, rosto em terra, e adorará a Deus, exclamando: “Deus realmente está entre vocês! “

26 Portanto, que diremos, irmãos? Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em língua ou uma interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja.

27 Se, porém, alguém falar em língua, devem falar dois, no máximo três, e alguém deve interpretar.

28 Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus.

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Foto de Elias Muratori

Elias Muratori

Como professor, jornalista, palestrante e escritor Elias Muratori possui vasto material, produzido ao longo de muitos anos e grande parte dessa produção, compilada em 04 livros que publicou.

Além disso Elias mantém atualizadas suas páginas, nas mídias sociais, com diversificada produção cultural, pois é membro da Academia Muriaeense de Letras - AMLE.

Conteúdo básico: crônicas, contos, poemas, micro contos... em textos e vídeos que descrevem sua forma de escrever/seus exercícios literários - a exemplo de ESCREVER SEM USO DE VOGAIS em diversas de suas peças, o que muito contribui para o despertar de alunos, professores e orientadores, para a LITERATURA...

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